falando seríssimo…

12/05/2009 at 17:18 9 comentários

Nunca usei, e nem pretendi, este blog como meio de auto-promoção e exposição da minha vida. Acho internet uma coisa muito interessante, poderosa e perigosa ao mesmo tempo e procuro manter minha vida pessoal alheia ao mundo virtual. Mas nas últimas semanas uma surpresa caiu de páraquedas em minha vida e achei que seria necessário contar o episódio aqui, não como uma forma apelativa e auto-piedosa de narrar uma história, mas como um alerta para o que pode acontecer com qualquer um de nós. Aconteceu comigo.

No início deste ano, percebi, numa área a aproximadamente 5 cm de distância da minha orelha direita, na altura da junção do pescoço com o crânio, um caroço que antes não havia notado. Ele não doia, mas depois que se descobre alguma coisa estranha, ela passa a incomodar. Mostrei a algumas pessoas da minha família e amigos, todos acharam estranho e me questionaram sobre o que eu sentia naquele local. Como eu nada sentia, não surgiram maiores preocupações.

Mas em questão de dias, menos de uma semana, o tal caroço dobrou seu tamanho. Simultaneamente, comecei a sentir algumas dores na região da nuca, pescoço e ombro direito. Como estou desempregado e, consequentemente, sem plano de saúde, me dirigi a um hospital público daqui de Niterói (Hospital Estadual Azevedo Lima). Lá passei por uma triagem e depois por uma neurologista e um ortopedista. Posso afirmar que a consulta com cada um durou no máximo 3 minutos sem exageros. Eu contei a mesma história a ambos. A neurologista disse, apalpando de leve o caroço, que era um cisto sebáceo. Perguntei se havia ligação entre as dores e o tal cisto e ela disse que não, me encaminhando ao ortopedista. Este mal olhou para a minha cara, perguntou qual era o problema, disse que as dores deviam ser causadas pelo uso excessivo de computador e me encaminhou para um ambulatório onde foi marcada uma consulta com uma cirurgiã plástica.

No dia da minha primeira consulta com a cirurgiã, relatei toda a história novamente e também fiz todas as perguntas que podia. Ela, num exame também bem rápido, confirmou que se tratava de um cisto sebáceo e então ocorreu o seguinte diálogo:

Ela: Bem, se trata apenas de um cisto sebáceo mesmo. Ele dói?

Eu: O caroço propriamente dito não, mas incomoda, né? E tem também essas dores na região da nuca, ombro…

Ela: O cisto não tem nenhuma ligação com elas. Já que ele não dói, você tem a opção de operar ou não, é apenas uma questão de estética. Sendo onde é, o cabelo esconde. Mas é você que decide.

Eu: Ah, vamos operar de uma vez.

E a cirurgia foi marcada para o dia 17 de abril. Ela me pediu uns exames de sangue pré-operatórios feitos no próprio hospital e, na data marcada, lá estava eu, careca e pronto pra entrar na faca. Me dirigi ao Centro Cirúrgico e tentei perguntar pela médica às enfermeiras que lá estavam. O problema é que elas estavam muito ocupadas correndo pra lá e pra cá, brincando de pique e gritando. Quando finalmente uma delas resolveu parar de brincar para me atender, respondeu que a médica ainda não havia chegado e era pra eu esperar um pouco. Aguardei até ela chegar e começar a operação que estava prevista para durar 30 minutos. Uma hora depois eu estava saindo da sala de cirurgia com 7 pontos na cabeça e sem o caroço, que estava bem mais profundo (o que provocou a demora na operação) e era bem mais escuro do que um “simples cisto sebáceo”. A médica mandou o material para análise e pediu que eu retornasse 10 dias depois para retirar os pontos. Com isso, começava a minha angústia…

Voltei na data marcada e ela pediu mais 3 dias para cicatrizar melhor. Retornei, tirei os pontos e aproveitei para passar no laboratório para ver se o resultado da análise do material já havia saído. Veio então a bomba: neoplasia maligna. Como não era dia de plantão da cirurgiã plástica, levei o laudo ao consultório de um médico amigo da minha família (dermatologista e alergista) apenas para ter uma opinião mais profissional e ele confirmou o diagnóstico de câncer. A única que poderia me encaminhar a partir de então para qualquer especialista era a médica que me operou.

Na segunda-feira da semana seguinte fui ao Azevedo Lima com o laudo em mãos. A médica me atendeu, olhando primeiramente a cicatriz e me instruindo a fazer massagem na região para desinchar e logo em seguida me perguntando o motivo da cara desanimada. Foi então que entreguei o laudo a ela. Sua cara de espanto foi visível de imediato. Ela então me deu um encaminhamento ao INCA e, desde a terça-feira seguinte estou indo frequentemente para fazer exames investigativos e inicar o tratamento necessário.

Por que eu fiz questão de contar esse espisódio da minha vida aqui? Por uma simples razão: mostrar a quantas anda a saúde pública do Estado. Vocês podem imaginar se eu respondo à cirurgiã plástica, quando fiz a consulta, que não queria passar por uma operação, o que poderia acontecer comigo? Fico me perguntando como um profissional da área de saúde pode ter a coragem de não realizar exames mais aprofundados para descobrir o que causa o aparecimento de corpos estranhos num paciente, bastando uma olhadinha e leve apalpada para constatar que se tratava de um “simples cisto sebáceo” quando na realidade era um tumor maligno. Será que esse descaso com a vida de um cidadão é exclusividade da médica que me atendeu ou se trata de uma característica comum a todos que atuam no serviço público? Acredito que seja geral, tendo em vista os outros atendimentos que tive no mesmo hospital.

Sei que agora estou no lugar mais adequado e apropriado para a minha situação. O INCA é um hospital de referência na área e atende pessoas de vários lugares. Vejo de tudo quando vou lá, passo quase um dia inteiro dentro daquele prédio enorme em cada ida e, ao mesmo tempo que agradeço a Deus por estar numa situação bem melhor do que a de muita gente que lá está, me dói ver que tantas pessoas, de todas as idades e classes sociais, dependem apenas de um lugar para se ter tratamento gratuito e de qualidade para o câncer. Não é raro ficar 8, 9 horas aguardando até ser atendido por um médico lá. Cansa muito, tanto física quanto psicologicamente. Me pergunto também até quando o governo do estado (e também o federal) não tomará providências para que se construam novas unidades do INCA em outras localizações? Vêm pessoas de todos os lugares para serem atendidas, por que não construir um INCA em cada região para diminuir a quantidade de gente e o tempo de espera e minimizar o esforço que pacientes debilitados pela doença fazem para chegar até o centro do Rio? Pra que realizar uma Copa do Mundo e também tentar uma Olimpíada no Rio de Janeiro se os problemas básicos (saúde, educação, segurança, transporte, saneamento, infra-estrutura, etc) não são sanados? Alguém sabe onde foi parar a dinheirama obtida nos Jogos Panamericanos de 2007? Pela situação em que o Rio de Janeiro está, piorando a cada dia que passa, só dá pra acreditar que, pra variar um pouco, deva estar nas contas bancárias de políticos e empresários e não aplicada onde deveria estar. Eu sou TOTALMENTE CONTRA a realização destes eventos, sempre fui e sempre serei. Não foi por ter acontecido isso comigo e ter visto com outros olhos (agora com os olhos de quem está mais inserido na problemática) que mudei de opinião. Está na hora das pessoas deixarem de ser tolas e parar de achar que Copa do Mundo e Jogos Olímpicos trarão alguma vantagem para o povo. Está na hora das pessoas pararem de aceitar que médicos da rede pública tratem delas como objetos e cobrem um atendimento digno e profissional. Está na hora de todos cobrarem de nossos governantes, pessoas que elegemos para trabalharem para nós, que recebem salários (muito altos) pagos por nós, tomarem vergonha na cara e darem à população condições de vida decentes e plenas de todos os direitos.

Por isso contei minha história. Como apelo para que todos reajam e se imponham como seres humanos merecedores de dignidade que nossos governantes não nos dão. Não podemos mais deixar nossas vidas nas mãos de políticos e profissionais que nos tratam como qualquer coisa.

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disney de volta ao 2D é meio velhinho mas acho divertido!

9 Comentários Add your own

  • 1. marta  |  13/05/2009 às 6:07

    Não é só a saúde pública. É a saúde no geral. Nem Copa D’or (sei lá como se escreve) se salva. Uma amiga da minha mãe foi pra lá pq estava com muita dor no abdômen. O médico disse que era virose, deixou horas no soro e a mandou pra casa. Como a dor continuou fortíssima, ela procurou outro lugar e, com exames adequados, viram que era hérnia estrangulada.

    Meu irmão, num outro hospital, levou uma bronca da médica plantonista pq apareceu na emergência às 3 da manhã.

    São coisas surreais.

    Força aí, cúmplice.

    Responder
  • 2. Vaninha Parreiras  |  13/05/2009 às 15:50

    Meu amigo,
    como tenho acompanhado todo esse processo, e vc sabe que o vc precisar pode contar conosco.
    Mas independente disto, este pouco caso tem muito a ver não só com a falta de investimento nos órgãos de saúde como no próprio profissional de saúde.
    Hoje em dia poucos médicos são de confiança total. Existem especialistas demais que cobram verdadeira fortuna por tal atendimento. Assim como sempre se falou que professor precisa reciclar para poder acompanhar o aluno e o ensino e isto agora está sendo feito (mais ou menos), e mesmo assim eles não são respeitados, mas a maioria tem garra e determinação que é ensinar. Já o médico que é uma profissão elitizada não é qualquer um que se torna médico, portanto a facilidade de encontar pessoas capazes e dispostas a ajudar são poucas, sendo que ajudar dentro do Serviço Público é uma obrigação pois eles ganham para isso. Mas infelismente as pessoas e alguns profissionais, esquecem que fizeram juramentos e esquecem que primeiro vem os deveres para poder ter os direitos, portanto fica difícil quando o pensamento é inverso ao que foi dito acima dar certo. Pois dizer que ganha pouco é facil, então faça melhor, procure, estude mais e não se acomode e faça pouco de seus pacientes.
    Já vi esta história antes com minha mãe que vc também acompanhou.
    Mas vc sabe que estou torcendo sempre por você e farei tudo que for possível para te ajudar.
    beijos de quem te admira muito
    Vania

    Responder
  • 3. Leonardo Coelho  |  08/03/2011 às 5:15

    Ola eu tambem tenho um carocinho desse acho que no mesmo lugar que o seu.. mais eu tenho a uns 2 – 3 anos e ele nao crescendo.. e nao sinto dores.. seria provavel de ser apenas um cisto sebaceo??

    Muito obrigado pela Atenção..

    Deus te abençoe

    Responder
    • 4. Nefelibata  |  24/03/2011 às 0:03

      E aí, rapaz, já procurou um médico para examinar isso aí como sugeri por email?

      Abração!

      Responder
  • 5. Sarah Gomes  |  23/03/2011 às 23:44

    Olá!

    Olha, gostei muito da sua história e do seu protesto referente a tais absurdos que acontecem em nossa sociedade. Também divido o mesmo pensamento e acho que a saúde pública está de mal a pior. ” Belos profissionais ” estes que são chamados de doutores sem se quer, terem a capacidade para fazer um exame clínico mais apurado sobre um ser humano. Não me refiro a todos os profissionais da área, pois existem muitos profissionais ainda excelentes.
    Gostaria de conhece-lo melhor.

    Um abraço,
    Sarah Gomes

    Responder
    • 6. Nefelibata  |  24/03/2011 às 0:02

      Obrigado, Sarah!

      Minha intenção não foi mesmo fazer drama em relação à minha história e sim tornar público um episódio que ninguém precisou me contar porque eu vivi na pele. Estou até hoje sob tratamento no INCA, passei por uma cirurgia, fiz radioterapia e estou recuperado, vivendo bem e sob controle periódico. Fico muito grato pela oportunidade de ter à minha disposição um serviço que funciona de verdade, com profissionais sérios e dedicados e que, se infelizmente não tem capacidade para atender de forma totalmente satisfatória a todos (por inúmeros motivos), surpreendentemente é uma entidade pública que consegue levar adiante a pesquisa e o combate ao câncer a médicos de várias áreas e pessoas acometidas pela doença de várias partes do estado, país e até mesmo do mundo.

      Abraços!
      Yeso

      Responder
  • 7. Dri de Souza  |  20/08/2011 às 16:45

    Olá nefelibata… pra começar adorei descobrir o significado da palavra. Pra ser sincera não a conhecia…rss
    Mas lancei no google as palavras caroço-pescoço e me deparei com a sua história. Também estou com um que muito me preocupa (tenho médico na próxima segunda), mas ainda há a segunda preocupação: os médicos. Concordo e vivencio tudo o que você escreveu. É exatamente assim. As consultas não duram mais que dois minutos sendo que você às vezes espera uma hora por ela. O descaso e a má vontade é gritante.Infelizmente não tenho plano de saúde, e tenho que contar com a saúde pública que na verdade deveria se chamar calamidade pública. Aí fico pensando se Deus me livre me acontece isso, aqui na pequena cidade de Pinheiral, RJ…?? socorro. Dá medo viu? Mas amei seu relato, foi muito bom lê-lo. Espero que hoje esteja com boa saúde. Deus te guarde..

    Responder
  • 8. patriella  |  07/04/2012 às 21:46

    Olha, você já confirmou a avaliação? um exame chamado cá-125 de sangue pode confirmar a existência de tumor maligno.
    Digo isso porque fui diagnosticada uma vez com tumor nos ovários, abri, operei e o médico fechou de novo porque meus vários eram normais. Eu tinha era uma má formação na Bexiga!
    E sua descrição bate com cisto sebaceo. Além disso tumor maligno tem aspecto bem característico. Já trocaram até exame da minha Filha! Por isso sempre confirmo os exames e as opiniões dos médicos. Boa Sorte!

    Responder

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